terça-feira, 7 de julho de 2009

Fórum Privilegiado

Fórum Privilegiado Não é Privilégio
O senador Ronaldo Cunha Lima, réu confesso, que cometera um assassinato “em defesa da honra de seu filho”, ou ao menos foi esta sua alegação, tinha direito, como parlamentar que é, ao chamado “fórum privilegiado”, ou seja: direito de ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

No entanto, o referido senador renunciou alegando que recusava esse privilégio e queria ser julgado como qualquer cidadão brasileiro. Nobre gesto, sem a menor dúvida. Como se trata de um crime doloso contra a vida, ele será julgado por um júri popular em sua terra natal, local em que o crime fora cometido.

Gesto nobre? Nobre ma non troppo. Se fosse julgado pelo Supremo e supondo que condenado fosse, a quem poderia ele apelar? Somente a Deus, coisa que poderia isentá-lo da condenação divina, porém não o livraria da condenação humana. Um julgamento pelo Supremo é uma espécie de jogo radical: ou tudo ou nada, ou o réu é considerado definitivamente inocente ou definitivamente culpado e ponto final.

Mas o referido senador detesta radicalismos, mesmo quando tem a certeza de que os ministros do Supremo acolheriam sua alegação de defesa da honra do filho gravemente aviltada e levariam em consideração essa atenuante adicionada à de homicídio doloso cometido em estado de forte comoção.

Por isso mesmo, preferiu ser julgado em sua terra por um júri popular que, caso venha a condená-lo - coisa aliás muito pouco provável por óbvios e sentimentalóides motivos - deixa margens aos quase-inesgotáveis recursos concedidos por nossa sábia legislação pátria em que a máxima preocupação do legislador é só condenar o réu quando houver certeza absoluta de sua culpa [Aqui entre nós e que ninguém nos ouça: certeza absoluta mesmo somente a Ofélia tem]. Favorecer à chicana e aos chicaneiros, é certamente uma conseqüência não-pretendida, sequer aventada, pelo insigne legislador.

Daí as múltiplas alternativas de que sua defesa dispõe, por mais que isso irrite profundamente aqueles espíritos insensíveis e frios utilitaristas que vivem reclamando da morosidade da Justiça brasileira e seu infindável arsenal de recursos.

Referindo-se à renúncia do nobre senador, o ministro do STF, Joaquim Barboza, qualificou-a como um “acinte” e mostrou-se fortemente indignado com tamanha esperteza embrulhada numa renúncia a um suposto “privilégio”. Na realidade, não há nenhum privilégio no “fórum privilegiado”, mas sim uma nítida desvantagem em relação a um fórum comum, como acreditamos ter deixado bastante claro.

Acontece que, segundo o filósofo de Oxford, Gilbert Ryle, há success-words (palavras-sucesso) e failure-words (palavras-fracasso), e esta classificação antitética nada tem a ver com o significado das palavras, porém com os estados de espírito que elas mobilizam no psiquismo das pessoas.
As primeiras produzem reações positivas e favoráveis, ao passo que as segundas negativas e desfavoráveis tão logo alcançam os olhos ou ouvidos de seus receptores. “Privilegiado” é sem dúvida uma dessas failure-words. Ninguém quer ser considerado um privilegiado, mesmo quando quem concede o privilégio é o código genético e o privilégio é brilhante inteligência. Como se sabe, o ADN desconhece o que é nepotismo, não tem partidarismos políticos, nem é um corrupto que concede favores aos seus protegés e suas protegées.
por Mario Guerreiro

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